terça-feira, 3 de novembro de 2009

O PACEMAKER

"Quando duas pessoas estão à beira da ruptura, o que é que podemos fazer por elas? A questão surgiu depois da conversa com um amigo prestes a separar-se. Eu achei que o podia ajudar convidando-o a distrair-se, mas depois dei comigo pensando no que realmente poderia fazer.

Não acho que se possa fazer grande coisa. Se incentivamos um deles a separar-se, teremos o outro à perna o resto da vida (embora às vezes, mais tarde, também nos agradeçam). Se os tentamos convencer a continuarem juntos, afundamos o sofrimento de ambos, levando-os a pensar que há algo de errado em cada um deles, quando antes só havia perfeição… Os amigos, nós, os outros, são de evitar, a não ser que precisemos deles para ir comprar um novo enxoval. Acreditem que os amigos aparecem e desaparecem em altura de mudanças. Só os bons ficam.

Entre homens há muito aquela máxima do «tu precisas é de te divertir». E lá vão eles, errando pela noite, deixando rasto de pieguice disfarçado de virilidade. Metem-se com mulheres, saem, jantam fora em sítios que impressionam, compram roupa nova, descobrem que há vida para além das quatro paredes do T3 pago com muito esforço. Uma noite, por motivos vários, ficam em casa sozinhos e o mundo cai-lhes em cima.



COM AS MULHERES também não é muito diferente. Talvez o rasto de pieguice não seja disfarçado e talvez elas criem mais ilusões onde antes só havia uma certeza: que o amor delas tinha acabado. As mulheres ficando uma noite sozinhas, de agenda aberta e guloseimas escancaradas, também vão sofrer, mas elas sempre sofreram.

Quando há muitos anos me separei, fiz o meu caminho. Conheci fanfarrões e piegas. Atirei-me aos tipos errados, fui inconveniente quando só queria ser ouvida.

Fazem-se muitos erros nesta altura. Até porque ninguém tem o conselho certo para nos dar. Andamos, vagueamos à espera de encontrar alguém ou alguma placa que nos diga o caminho certo, mas isso nunca vai surgir. O labirinto é coerente: vamo-nos perder até ao fim. No fundo, só queríamos saber se ficamos ou se seguimos em frente com a nossa vida mas a resposta revelar-se-á muito mais complexa do que alguma vez sonhámos.

Os amigos terão sempre a tentação de nos puxar para jantares com gente «interessante» e que «tem tudo que ver contigo». Mas eu acho que nós precisamos é de silêncio. O silêncio, que tanto magoa, tem essa vantagem de nos fazer ouvir (e ver?) com muito mais nitidez. Nós às vezes não conseguimos é ouvir o eco da nossa dor. E a parcialidade do sofrimento nunca nos levou longe.



ESTA É a fase em que as músicas parecem ter sido escritas para nós e os filmes nos parecem uma grande ilusão onde no entanto todos queremos morar. O mundo conspira contra os corações vulneráveis. Normalmente, nesta altura também podem surgir gastos inesperados: pequenos incidentes domésticos ou fiscais que nos levam o resto da dignidade que ainda havia em nós. A vantagem de tudo isto é que a seguir só podemos renascer.

Quando os amigos separados vierem queixar-se da metade correspondente, o melhor é não lhes dar ouvidos: tudo o que nos disserem vai fazer parecer que o outro ainda deseja esta parte – ainda que já esteja a milhas num spa acompanhado…

Eu acho que aos amigos na encruzilhada do amor se deve dar aquilo para que eles não têm disponibilidade: a funcionalidade da vida. A incrivelmente mesquinha ordem dos dias que garante a nossa existência comum. Por isso é que podemos ir comprar o faqueiro, as tintas, a louça de casa de banho e tudo o resto que a cabeça dorida dos nossos amigos não consegue suportar. Se depois disso eles ainda quiserem sair e beber um copo, vamos com eles, mas não se esqueçam que um coração precisa de sentir a dor para voltar a viver.

Oh God, make me good, but not yet!"

in O sexo e A Cidália - Cidália Dias

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