quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ano novo, vida nova?

Mario Crespo in Jn online
"O palhaço


O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem. O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada. Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver. O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar. E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço."

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa

"A voz dele - Como estás tu? e a lata de me perguntar isto a mim que nunca sei como estou, nunca soube como estava. - Como estás tu? é a pergunta mais difícil de responder do mundo."

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

nem sequer saudades...


"apenas a ternura que embrulhas numa careta de pressa.Desces as escadas. Metes-te no automóvel. Vais-te embora. Tu duro no interior de ti, como um punho fechado que estremece. Dizem que o coração é do tamanho de nosso punho fechado: se o abrisse tanta coisa fugia!
Sorri. Aconteça o que acontecer não páres de sorrir. E por amor de Deus não tornes a abrir o coração: como disseste acima, tanta coisa desataria a fugir"

maos impregnadas de nuvens II


"sou feito de cardos e há palavras que deixei secar dentro de mim ou a vida secou. Claro que vou escrevendo, vou respirando, até me acontece, às vezes orvalhar-me. Mas escondo. Dantes fechava-me à chave na casa de banho para nao me ver no meu desespero. Depois abria a porta e saía a assobiar. Há alturas em que assobiar custa imenso. Fazia um esforço, conseguia.
- Como estas?
Interrompia o assobio:
- Estou óptimo
e a noite levantava,sem que ninguém notasse, uma revoada timida de lágrimas.Podiam ser melros ou pombos ou assim, insistia
- São melros ou pombos ou assim
mas eram lágrimas. As lágrimas também podem fazer ninho nas árvores ou nas empenas dos telhados. E no entanto qualquer olhar me descerrava como se descerram dedos: pétala a pétala.
(...)
Tu, que nao conheço ainda, ou imagino que não conheço, ajuda-me a ficar. Ocupo pouco espaço, quase nao faço barulho, nunca grito, não incomodo ninguém. Leva-me contigo e ajuda-me a ficar. Tenho a ternura simples mas aos nós.Desata-me isto tudo..."

as tuas mãos impregnadas de nuvens..

"Normalmente é no terceiro minuto a partir do crepúsculo que o ar da praia é mais frio do que a agua. Não no segundo nem no quarto: no terceiro e durante 11 segundos, o que requer discernimento, atenção e paciência. O melhor é encostar-nos à muralha, de queixo na palma, vigiar as gaivotas, dar fé da mudança de cor no horizonte e nisto, mal o 3º minuto começa, tira-se a palma do queixo para que o ar poise nela e aí està: pega-se no ar da praia, mete-se no bolso e leva-se para casa sem deixar entornar. Tem de utilizar-se logo visto que no dia seguinte, a partir das 10, já o ar aqueceu. Puxa-se com cuidado do bolso e respira-se devagarinho. Quase sempre, então, os pinheiros estremecem e parece existir, nas mulheres da familia, uma especie de vontade de chorar. Não de tisteza, claro: do facto de existir para sempre, dentro delas, um búzio comovido."

lisbon sound

...quem me assassinou para que eu seja tao doce?...

" NAO PRETENDO SENAO O IMPOSSÍVEL: UM MENINO QUE ME ACENA, UM BARCO QUE CHEGA, MARTELAR COM A MAO ESQUERDA, SABER DANÇAR O TANGO, DISTINGUIR-TE AO LONGE, NO AEROPORTO, À MINHA ESPERA..."

terça-feira, 24 de novembro de 2009

NOS 2 AQUI A OUVIR CAIR A CHUVA


"- Dás pela chuva Henrique?
subo os olhos do jornal a acenar que sim, e ficamos a contemplar a janela onde as gotinhas escorregam, aclaradas do viés pelas lampadas do passeio. Pelo menos falámos. Pelo menos disseste
- Dás pela chuva Henrique?
pelo menos acenei que sim do jornal, pelo menos, por um momento, estivemos acompanhados. Somos pessoas discretas, incapazes de exageros, de conversas, de emoções inuteis. Julgo que foi isso que nos uniu, a timidez, a ausencia de lagrimas.Ainda Bem. Acho que ainda bem para nós.(...)
E depois existem momentos assim,a seguir ao jantar, em que principia a chover e nós aqui dentro, em paz, quase felizes.
E escrevo quase felizes porque para escrever felizes seria preciso que a chuva fosse tão forte que arrancasse o prédio do lugar e o arrastasse consigo na direcção do Tejo, o que, é evidente, não acontecerá nunca(...)
Como tu me explicaste umas coisas valem por outras e temos o consolo da chuva.Perguntar-me-ás
- Dás pela chuva Henrique?
acenarei que sim, e durante um momento somos dois, e durante um momento, palavra, podia escrever em nome de ambos, eliminando o quase, que nos sentimos felizes."

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Farto de voar, Pouso as palavras no chão...

EU, ÁS VEZES...

"(...)ficamos parados

a teimar no silêncio

(que silêncio tão grande)

– Já é tarde

e não é o relógio, somos nós

(...)

– Porque me tornaste nisto?

o silêncio aumentou tanto que o relógio se calou, uma palma no nosso ombro

– O que foi?

e construímos peça a peça um sorriso

difícil

(custa tanto um sorriso)

que responda por nós

Não foi nada."

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

nunca parto inteiramente...

...anything your heart desires...

...anything your heart desires...

Os amantes

ESTAVAM juntos há muitos anos. Tantos que, apesar das anteriores mulheres dele, ninguém aceitava que esta não fosse senão a única. Eu gosto quando o amor nos dá identidade mesmo que roube a nossa. O amor é tão bom e chega tão sedento, tão faminto, que se continua em nós rouba-nos tudo. Mas quando nos deixamos roubar é porque acreditamos. E felizes dos que acreditam…

Ele era um homem daqueles metidos para dentro: moderno por fora, mas tradicional ao mesmo tempo. Eu tenho muitos amigos assim. Há coisas que eles não conseguem mudar. E agora também não se luta contra os hábitos da idade.

Ela apareceu e rondou-o muitos dias, meses até. Era uma mulher especialmente bonita. Olhos azuis, pele muito clara e cabelo dourado. Quando eles se apaixonaram há muito tempo, ainda não havia aquela parva ideia de as loiras serem burras. Esta coisa de se subestimar as loiras irrita-me: é uma forma de as castigar só porque as falsas se permitem à frivolidade e as verdadeiras têm de ser penalizadas por serem bonitas sem artifícios.



QUANDO caíram nos braços um do outro nunca mais se largaram. E olhem que ela não se vestia como ele, nem ele como ela. No entanto, ouviam a mesma canção e tudo neles, como a água no rio, corria num só sentido.

Assim ficaram anos, décadas. A vida ligada por um fio e eles em cada uma das pontas. Às vezes, os que estão de fora até temem por um amor assim, com medo que um dos lados quebre e o outro nunca mais se equilibre. Mas as pessoas não podem, não devem, dizer dos receios que crescem nelas, ou isso estragaria a vida e a paixão.

Os dois cresceram com o amor que os unia. Não os tendo acompanhado, julgo que ele, o homem áspero, foi amaciando o coração com o mel que ela lhe trazia, e ela, mesmo vendo às vezes a aspereza nele, sorria, porque quem tem mel não quer doce (ou o amor tornava-se numa grande dor de barriga). Que o amor seja só uma grande dor no peito.

ELA ensinou-o a gostar de coisas que antes – a ele – lhe pareciam ridículas. E primeiro ele rejeitou-as até se permitir encaixá-las na sua vida. Eu gosto disso no amor: quando cedemos. Quando nos vergamos para aceitar o inaceitável. É normalmente nessas alturas que descobrimos grandes paixões. É nessas alturas que nos ouvem dizer: «Nunca pensei gostar tanto disto»... O amor traz-nos essa flexibilidade. Os que nunca se vergam acabam duramente sozinhos.

Ele também a ensinou a gostar de coisas diferentes das do mundo dela: não nós de pesca ou truques da sueca mas coisas dos discos e dos livros. Foi só ele estender-lhe a primeira pista e, não muito tempo depois, já ela o estava a ultrapassar com a sua aprendizagem. Quando as pessoas se amam muito é porque têm orgulho uma na outra, senão misturava-se a compaixão e a compaixão não é motor que faça o amor andar. Quando há esse amor grande, as pessoas insistem em surpreender-se. Ela passou a levar-lhe livros para casa de que ele nunca ouvira falar, e ele conquistava-a com mais uma música, mais uma voz que ela deixava chegar ao coração.



TIVERAM filhos, cães, férias de sol, viagens, e trabalharam muito para poder ter dinheiro. O dinheiro é importante para que o amor não se torne uma coisa coitadinha. E sobretudo para prescindir dele e escolher a paixão.

Mesmo no trabalho eles arranjaram maneira de se cruzar, de se misturar, de nos confundir com as suas identidades. Ambos movidos por uma força qualquer que não se percebia se era a que resultava dos dois, ou se cada um deles era assim generoso e destemido na partilha.

Foi tudo rápido e inesperado: ele morreu há dias. E a ouvi-la a recordá-lo foi como se ele nunca tivesse sido áspero ou arredio. É sobre o Amor que se tem de escrever, porque do menos nobre estão os jornais cheios.
Cidália Dias
(in NS de 07.10.09)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

...devia ter sido capaz de advinhar toda a ternura escondida por detrás daquelas pobres manhas...

A contas com o bem que tu me fazes...

O PACEMAKER

"Quando duas pessoas estão à beira da ruptura, o que é que podemos fazer por elas? A questão surgiu depois da conversa com um amigo prestes a separar-se. Eu achei que o podia ajudar convidando-o a distrair-se, mas depois dei comigo pensando no que realmente poderia fazer.

Não acho que se possa fazer grande coisa. Se incentivamos um deles a separar-se, teremos o outro à perna o resto da vida (embora às vezes, mais tarde, também nos agradeçam). Se os tentamos convencer a continuarem juntos, afundamos o sofrimento de ambos, levando-os a pensar que há algo de errado em cada um deles, quando antes só havia perfeição… Os amigos, nós, os outros, são de evitar, a não ser que precisemos deles para ir comprar um novo enxoval. Acreditem que os amigos aparecem e desaparecem em altura de mudanças. Só os bons ficam.

Entre homens há muito aquela máxima do «tu precisas é de te divertir». E lá vão eles, errando pela noite, deixando rasto de pieguice disfarçado de virilidade. Metem-se com mulheres, saem, jantam fora em sítios que impressionam, compram roupa nova, descobrem que há vida para além das quatro paredes do T3 pago com muito esforço. Uma noite, por motivos vários, ficam em casa sozinhos e o mundo cai-lhes em cima.



COM AS MULHERES também não é muito diferente. Talvez o rasto de pieguice não seja disfarçado e talvez elas criem mais ilusões onde antes só havia uma certeza: que o amor delas tinha acabado. As mulheres ficando uma noite sozinhas, de agenda aberta e guloseimas escancaradas, também vão sofrer, mas elas sempre sofreram.

Quando há muitos anos me separei, fiz o meu caminho. Conheci fanfarrões e piegas. Atirei-me aos tipos errados, fui inconveniente quando só queria ser ouvida.

Fazem-se muitos erros nesta altura. Até porque ninguém tem o conselho certo para nos dar. Andamos, vagueamos à espera de encontrar alguém ou alguma placa que nos diga o caminho certo, mas isso nunca vai surgir. O labirinto é coerente: vamo-nos perder até ao fim. No fundo, só queríamos saber se ficamos ou se seguimos em frente com a nossa vida mas a resposta revelar-se-á muito mais complexa do que alguma vez sonhámos.

Os amigos terão sempre a tentação de nos puxar para jantares com gente «interessante» e que «tem tudo que ver contigo». Mas eu acho que nós precisamos é de silêncio. O silêncio, que tanto magoa, tem essa vantagem de nos fazer ouvir (e ver?) com muito mais nitidez. Nós às vezes não conseguimos é ouvir o eco da nossa dor. E a parcialidade do sofrimento nunca nos levou longe.



ESTA É a fase em que as músicas parecem ter sido escritas para nós e os filmes nos parecem uma grande ilusão onde no entanto todos queremos morar. O mundo conspira contra os corações vulneráveis. Normalmente, nesta altura também podem surgir gastos inesperados: pequenos incidentes domésticos ou fiscais que nos levam o resto da dignidade que ainda havia em nós. A vantagem de tudo isto é que a seguir só podemos renascer.

Quando os amigos separados vierem queixar-se da metade correspondente, o melhor é não lhes dar ouvidos: tudo o que nos disserem vai fazer parecer que o outro ainda deseja esta parte – ainda que já esteja a milhas num spa acompanhado…

Eu acho que aos amigos na encruzilhada do amor se deve dar aquilo para que eles não têm disponibilidade: a funcionalidade da vida. A incrivelmente mesquinha ordem dos dias que garante a nossa existência comum. Por isso é que podemos ir comprar o faqueiro, as tintas, a louça de casa de banho e tudo o resto que a cabeça dorida dos nossos amigos não consegue suportar. Se depois disso eles ainda quiserem sair e beber um copo, vamos com eles, mas não se esqueçam que um coração precisa de sentir a dor para voltar a viver.

Oh God, make me good, but not yet!"

in O sexo e A Cidália - Cidália Dias

GAIVOTAS PEQUENINAS NA FOZ DO DOURO





ULTIMA CRONICA DO ALA in Visão 22.10.2009



As gaivotas pequeninas regressaram à foz do Douro, há sol outra vez, estamos na muralha a olhá-las.
Desta feita nunca mais desaparecerão dos penedos de que mal se distinguem e mesmo que o mar as leve permanecerão ali. Tentei matá-las e resistiram, tentei esquecê-las e não as perdi nunca. Passaram todo este tempo dentro de mim, à espera que as devolvessem ao lugar que é o seu, lá em baixo na salsugem.

Tonto de sol vejo-as caminhar, perco-as, recupero-as, não se vão embora: existem para sempre, como um testemunho escrito a sangue na carne, um nome que não se apaga, uma presença infinita. Não crescerão: quero-as assim, depois de tanta tempestade interior, tanta cobardia, tanto medo. Nenhuma névoa, nenhum medo já: as palmeiras e as gaivotas pequeninas chegam-me como penhor.

As pessoas na esplanada do restaurante nem as vêem: ocupam-se a comer, a conversar, não as conhecem, não dão por elas sequer. E que paz de silêncio no interior das ondas, que fervor de alegria. Cheguei. Finalmente cheguei. Quase sem palavras e sem gestos porque as palavras e os gestos inúteis: basta este simples milagre, esta pureza silenciosa, este fervor de alegria. Tudo tão fácil, afinal, quando se olha o mundo de frente, que evidência tão clara. As mãos no rebordo nem precisam tocar-se para que a viagem comece. Basta esta proximidade, este rumoroso silêncio, o vento: as gaivotas pequeninas na foz do Douro sabem-no, não brancas, cinzentas e o cinzento mais branco que qualquer outro branco, uma exaltação mais funda que a do corpo, tatuado de unhas ao comprido da tarde, braços em cruz de dedos cravados nas almofadas, olhos de pura água que se abrem devagar, um sangue vivo que canta.


Não há dia mais dia que este dia, não há noite mais noite que esta noite, e as gaivotas pequeninas na dobra do lençol. Nada dói, nada ofende, nada magoa.

Beijar o sol na boca, abraçar os limos, tocar no ar que nos atravessa a garganta. Casas lá para trás, tão longe. As pessoas na esplanada longíssimo também: só as gaivotas pequeninas perto, só este sol, este vento, o escapulário já sem imagens que trago no pescoço. Caminha-se, sem peso, na luz, nem sequer é necessário reinventar o mundo: permaneceu ali desde sempre, à espera. Agora tenho-o fechado na mão, a minha vida pertence-me, não tornam a roubar-ma.
Um automóvel debaixo de uma ponte, à espera, a doce violência de um sorriso, tudo, ao mesmo tempo, lento e rápido, o milagre das línguas, o umbigo prateado.


O meu irmão diz que tenho unhas de puta
e, meu Deus, o que as unhas de puta conseguem. A ferida da ausência até ao osso:

- Como é que estás vestida?
- Ténis pretos, calças pretas, camisola preta
- Como é que estás vestida?
- De toga no alto das escadas
E, por baixo da toga, gaivotas pequeninas, o mar da foz do Douro, os penedos, a mulher, com duas canas de pesca enterradas na areia, a limpar a praia.
- Adoro as tuas unhas de puta
como adoro a cabeça de perfil e os olhos fechados, o modo de dizer
- Minha riqueza
os dentes no meu ombro. Tudo treme no vento e se refaz, tudo se desarticula na água e permanece inteiro, os teus pés descalços nos pedais do carro, os calcanhares, um após outro, no apoio do lavatório para o creme das pernas, os pontinhos brancos que distribuis pela cara antes de os espalhar, o secador levantando o cabelo molhado, o modo de apertar o soutien nas costas numa habilidade de contorcionista, o nariz franzido vasculhando o frigorifico, uma joaninha num ramo de rosas, o modo rápido de lidar com os objectos e nisto, de repente, a surpresa de uma ternura vagarosa, ávida, os bicos do peito a crescerem, a mansa ferocidade dos dentes.
As gaivotas pequeninas regressaram à foz do Douro, há sol outra vez, estamos na muralha a olhá-las. Desta feita nunca mais desaparecerão dos penedos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

foi tão lindo amigas cascais jazz festival !!!!!



e sim sao 9 milhoes de bicicletas!!!!

Diz a Verdade ...

Se te perguntarem por nós, sobre
Que coisa fazemos quando estamos
Juntos, diz a verdade
Que deslocamos os cometas sem
Querer, as estrelas para desenhos e
A lua garantindo o amor
Diz a verdade sobre a intervenção
Na cósmica escolha dos casais,
A obrigação de nos obedecer
Não fosse o universo desentender quem
somos e favorecer a separação ou,
Pior, o não nos havermos conhecido ...!

terça-feira, 2 de junho de 2009

My antidote to depressing



É QUE NÃO HÁ PALAVRAS! OBRIGADA ELSA E RICARDO! AINDA HJ NAO CONSIGO VER ISTO SEM DESATAR À GARGALHADA! MESMO SEM A NOSSA GINGINHA!!

When life gives you lemons, make lemonade!



ESTA SEMPRE FOI UMA DAS MINHAS MÁXIMAS E ANDO SP A APREGOÁ-LA, MAS HJ, E SO HJ PORQUE NEM SEMPRE PODEMOS SER SUPER MULHERES...

When life gives you lemons, find someone who has vodka and throw a party.

When life offers you lemons - ask for tequilla and salt.

If life gives you lemons throw them at someone... and if they give you apples do the same

When life gives you lemons, tuck them in your bra. Couldn't hurt, might help.

When life gives you lemons, grab them and eat them before he descides to take them back

When life, gives you lemons, you must clone those lemons and make, super lemons

If life gives you lemons, ask life what the hell is it thinking giving you lemons and why it can't give you money instead!

When life gives you lemons, run away, your not supposed to take things from strangers

MAS HJ CONTRARIAMENTE AO HABITUAL TERMINO COM :

When life gives you lemons, ignore it if you'd prefer orange.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Doctor and Patient - A Portuguese novelist dissects his country.


in "The New Yorker" May, 4, 2009

"The Portuguese novelist António Lobo Antunes discovered his literary vocation while delivering babies, performing amputations, and carving up corpses. Lobo Antunes trained as a doctor, and in the early nineteen-seventies, during military service, he was dispatched to Angola, near the end of a futile war in which the faltering Portuguese empire grappled to retain its African colony. In a makeshift infirmary, he lopped off limbs while a queasy quartermaster—disqualified from operating because the sight of blood made him sick—turned away and recited instructions from a textbook. Lobo Antunes also assisted a witch doctor who presided over births. As he recalls in a new volume of essays and short stories, “The Fat Man and Infinity” (translated by Margaret Jull Costa; Norton; $26.95), he spent hours struggling “to pull living babies from half-dead mothers” and sometimes emerged into the daylight “holding in my hands a small tremulous life,” while mango trees rustled overhead and mandrills looked on. At such moments, he came “closest to what is commonly known as happiness.” The experience brought about a novelist’s epiphany. There was another way, Lobo Antunes saw, to fill the world with extra existences: characters could emerge fully formed from their creator’s brain, rather than making their blood-smeared escape from the womb.

With luck, a novelist can beget new lives, but he is also obliged to commemorate lives that cannot be saved. Back in Lisbon, after the war, Lobo Antunes worked at a hospital that treated children with cancer. The experience provoked a metaphysical rage; he found himself railing against a God who permitted such agony. He watched as a five-year-old boy with leukemia screamed for morphine. When the child died, two orderlies arrived with a stretcher, but the wasted body was so small that they chose to bundle it in a sheet. A foot slumped free of the shroud and dangled ineffectually in the air. Lobo Antunes decided, he said in a recent interview, “to write for that foot.”

Lobo Antunes published his first two novels in 1979. Since then, there have been twenty-one others, earning him a succession of European prizes. He is less well known to American readers, although nearly half of his novels have appeared in English—most recently “What Can I Do When Everything’s on Fire?” (translated by Gregory Rabassa; Norton; $19.95)—and Dalkey Archive has begun to publish earlier, previously untranslated Lobo Antunes works, starting with the 1980 novel “Knowledge of Hell” (translated by Clifford E. Landers; $13.95). Internationally, Lobo Antunes is overshadowed by his older colleague José Saramago, who won the Nobel Prize in 1998. At home, the two writers, like rival political parties or sports teams, have noisy partisans, and those who cheer for Lobo Antunes claim that the wrong man won the Nobel. Lobo Antunes himself apparently agrees: when the Times called for a comment on Saramago’s victory he grumbled that the phone was out of order and abruptly hung up. "

DIA 16 NA FLLX!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

segunda-feira, 2 de março de 2009

...And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time ...

continuamente a tocar no meu ipod...


“Meu pobre bicho-de-conta
Que te enrolaste de vez
Já não vives nos jardins
Já não sentes, já não vês
Só sei, meu bicho-de-conta,
que te enrolaste de vez

Minha alma, se te matei
Perdoa por esta vez
Fiz-te aspirar tão acima
Que desceste onde hoje vês
A seres um bicho-de-conta
que te enrolaste de vez

Não deixes o desespero
Ferir-te onde tu não vês
Há mais coisas nesta vida
Mais prazeres que não vês
Que essa dor que te atingiu
E que te enrolou de vez

Meu pobre bicho-de-conta
Que te enrolaste de vez”

Luís de Macedo

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

MISS HOME...



"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia."
A. Caeiro

"I'll go to your room, but you have to seduce me."

HJ O MEU HORÓSCOPO NO DESTAKE REZAVA: " NO AMOR SIGA OS CONSELHOS DOS SEUS PAIS"! ORA E CASO OS CONSELHOS SEJAM DIVERGENTES?...EXTREMAMENTE IMPRUDENTE DA PARTE DO DIGNISSIMO RESPONSAVEL PELA SECÇÃO DE ASTROLOGIA,LANÇAR ASSIM A FÓRMULA PARA O AR...

AINDA BEM QUE JÁ VI O VICKY CRISTINA BARCELONA:

"Cristina, on the other hand, expected something very different out of love. She had reluctantly accepted suffering as an inevitable component of deep passion, and was resigned to putting her feelings at risk. If you asked her what it was she was gambling her emotions on to win, she would not have been able to say. She knew what she didn't want, however ! "

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

"SE TU ME AMASSES, E EU TE AMASSE, COMO TE AMARIA"

"O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já."

J.Saramago

sábado, 24 de janeiro de 2009

PESSOA E CAMANÉ - QUEM RESISTE?

"Deixei atrás os erros do que fui
Deixei atrás os erros do que quis
E que não pude haver porque a hora flui
E ninguém é exacto nem feliz

Tudo isso como o lixo da viagem
Deixei nas circunstâncias do caminho,
No episódio que fui e na paragem,
No desvio que foi cada vizinho

Deixei tudo isso, como quem se tapa
Por viajar com uma capa sua,
E a certa altura se desfaz da capa
E atira com a capa para a rua"

E Pronto...

Agora não. Talvez daqui a uma hora, amanhã, depois de amanhã, mais tarde, mas agora não. Agora aguen­ta-te, finge que és forte, sorri ou, pelo menos, puxa os cantos da boca para cima: se mantiveres os olhos se­cos vão pensar que é um sorriso. Então basta pedir
- Com licença
e saíres.


(...) um dos pes­cadores procura isco na alcofa, os morros de Almada, uma paz tão grande não é, um sossego lento não é, uma calma não é, a tristeza a dissolver-se, fecha os olhos, descansa, e vais ver que daqui a nada já não te lembras que acabámos, daqui a nada já nem te lembras de mim.

António Lobo Antunes, in Crónicas na Revista Visão

"SEREI CAPAZ DE SER CAPAZ?"



"SEREI CAPAZ DE RIMAR POMBOS COM HORTENSIAS?"

"HÁ ALTURAS EM QUE NECESSITO TANTO QUE DEUS SE PREOCUPE COMIGO"

" OS OLHOS ADORMECEM SEM MIM"

" QUE AMARGA ESTA SEXTA FEIRA SANTA. NÃO É DA SOLIDÃO: NUNCA ME SINTO SÓ. QUANDO ESTOU SOZINHO SOU TODO MEU, DIZIA LEONARDO, E ENTENDO-ME COMIGO"

CRY ME A RIVER


" QUANDO CHEGARÁ A ALTURA DE VOLTAR PARA CASA, DE VOLTAR PARA TI? AINDA HAVERÁ CASA? AINDA HAVERÁS TU? A CASA NO FIM DA VILA"

...


"Acho que não devia fazer electrocardiogramas eu, devia fazer escalas de Richter porque me parece que em lugar de coração tenho um sismógrafo cuja agulha assinala o menor estremeço interior ou exterior com uma amplitude imensa: basta-me viver para a agulha não parar e que cordilheiras de tinta os meus dias. Se me perguntam
– Como vais?

só tenho a mostrar riscos enormes, capazes de fazerem cair todos os prédios da cidade e espanta-me que Lisboa permaneça intacta e o chão nem oscile."

ALA - quem mais...

ME MYSELF AND I