quarta-feira, 25 de novembro de 2009

maos impregnadas de nuvens II


"sou feito de cardos e há palavras que deixei secar dentro de mim ou a vida secou. Claro que vou escrevendo, vou respirando, até me acontece, às vezes orvalhar-me. Mas escondo. Dantes fechava-me à chave na casa de banho para nao me ver no meu desespero. Depois abria a porta e saía a assobiar. Há alturas em que assobiar custa imenso. Fazia um esforço, conseguia.
- Como estas?
Interrompia o assobio:
- Estou óptimo
e a noite levantava,sem que ninguém notasse, uma revoada timida de lágrimas.Podiam ser melros ou pombos ou assim, insistia
- São melros ou pombos ou assim
mas eram lágrimas. As lágrimas também podem fazer ninho nas árvores ou nas empenas dos telhados. E no entanto qualquer olhar me descerrava como se descerram dedos: pétala a pétala.
(...)
Tu, que nao conheço ainda, ou imagino que não conheço, ajuda-me a ficar. Ocupo pouco espaço, quase nao faço barulho, nunca grito, não incomodo ninguém. Leva-me contigo e ajuda-me a ficar. Tenho a ternura simples mas aos nós.Desata-me isto tudo..."

Sem comentários: