terça-feira, 9 de novembro de 2010

Edgar Meu amor…

" Por favor Edgar não me deixes assim, o que se passa entre nós, porque não telefonaste? Eu aqui à espera feita parva, nem ao cabeleireiro fui com medo que ligasses, fumei oito Mores seguidos, tenho a cabeça tonta de cigarros, já perguntei às Avarias se havia algum problema com o meu número e não há, já tentei entreter-me a pintar as unhas dos pés e borrei tudo, até nos calcanhares pus verniz, até na alcatifa, até no braço da cadeira, não foste ao emprego, não foste ao café, não foste ao clube, o que aconteceu Edgar? não é justo, não parece teu, não me deixes assim, dou voltas à cabeça a ver se percebo e não entendo, ainda ontem aqui vieste jantar ainda ontem me gabaste o ensopado de enguias, ainda ontem, no sofá, lembras-te?

- Gosto de ti Fofinha
ainda ontem, no sofá, coisa e tal, eu no princípio do licor e tu a puxares-me os collants

- Sua má sua mazona

e eu a mostrar-te o cálice

-Olha que isto deixa nódoas na almofada Edgar a almofada é nova

Tu de joelhos, tu despenteado, de gravata torta, tu tal e coisa

-Quais nódoas quais caraças ajuda-me que o fecho do soutien encravou e nem para trás nem para a frente ajuda-me senão chamo o serralheiro

e claro que não tinha encravado, Edgar, é uma questão de jeito é uma questão de calma, e tu a olhares para mim e a desapertares o cinto, tu atrapalhado nos atacadores

-Aguenta Deolinda que daqui a um segundo estou aí

eu aguentei, tu estavas aqui a magoares-me a perna com ocotovelo, eu

Levanta o braço amor que me aleijaste

da janela via-se o Laranjeiro quase todo que o meu apartamento é em cima, o Laranjeiro, a Cova da Piedade, Almada, mais seis meses e tenho as duas assoalhadas pagas, eu a pensar que podíamos, se tu quisesses, morar os dois, arranjar um cão e ser felizes, e nisto tu quieto, tu embaraçadíssimo a olhares para baixo:

- Devo andar cansado Deolinda deve ter sido do serão no escritório

tu sem ímpeto nenhum, tu sem vontade, eu a ajudar-te e tu envergonhado, tu de calças pelos tornozelos num fiozinho de voz

- Deve ter sido do serão no escritório não me mexas paramos meia hora e fico fino

parámos meia hora, assistimos àquele programa onde as pessoas vão pedir desculpa à família e depois abraçam-se e choram e a assistência aplaude a chorar também, e mesmo a senhora que faz o programa, tão simpática, tão boazinha, se comove como se comove o Laranjeiro em peso, eu a beijar-te

- Já descansaste Edgar?

Tu zangado comigo, tu que não ficaste fino nem meia

- Cala-ten

uma voz tão diferente da tua, amor, nem fofinha nem mazona, nem bichaneca

- Cala-te

E eu a fazer-te uma festa, cheia de paixão, preocupada com o teu cansaço

- Edgar

E tu sempre de calças pelos tornozelos a desviares-te para outro canto do sofá

- deslarga-me

Eu que te adoro, a pôr-te a mão na coxa, e tu como se a minha mão queimasse

- Deslarga-me poça deslarga-me

Vestiste-te num instantinho, puseste o casaco, avisaste da porta

- Se contas a alguém o que me sucedeu rebento-te

Eu a compor-me estarrecida, eu a tropeçar atrás de t

i- Não me deixes sozinha, não te vás embora Edgar

Tu a desceres a rua para a camioneta, tu curvado como se carregasses o mundo inteiro nos ombros, eu da marquise

- Edgar

E nem sequer te voltaste, nem sequer adeus, nem sequer um sorriso, nem sequer um telefonema, queria dizer-te Não te apoquentes, queria dizer-te Não tem importância, gosto de ti à mesma hoje tentamos outra vez, eu não conto a ninguém. Edgar, juro que não conto a ninguém, não vão troçar-te no emprego, não vão troçar-te no café, podíamos morar os dois no Laranjeiro ainda que ficasses cansado para sempre, eu não me importo, comprávamos um cãozinho, íamos aos domingos ao Ginjal, isto no Laranjeiro é calmo, vê-se a Cova da Piedade, vê-se Almada, tenho a cabeça tonta de cigarros, já perguntei às avarias se há problemas com o meu numero e não há, fiz ensopado de enguias, comprei sorvete no supermercado e o soutien que trago hoje tem rendas pretas e abre-se à frente Edgar, vai ser canja para ti tirar-mo."
ALA

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